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EDITORIAL

Alguns códigos universais da cartografia nos são ensinados por volta da mesma época em que aprendemos a discernir as letras do alfabeto. A presença da cor azul como representação de mares e rios em qualquer mapa é o primeiro deles. Mais tarde, esquecemos do poder de abstração extraordinário necessário para decifrar essa simbologia (e até da capacidade de nos maravilhar com a sensação de segurar o mundo inteiro nas mãos que só um mapa-múndi ou uma réplica do globo terrestre proporcionam). Escolher estar próximo ao oceano talvez carregue, entre mil outros anseios, uma busca inconsciente por materializar a experiência da carta geográfica, por tornar tangível aquilo que era signo. Mais: um desejo por enaltecer e conservar os contornos, seriamente ameaçados pelas mudanças climáticas, que delimitam onde acaba a terra e começa a água. Ao menos de acordo com boa parte das histórias contadas nesta edição, consagrada à temporada de verão que se aproxima.

É o que se vê, por exemplo, nas quatro casas que mostramos na seção Universo, postadas diante da infinidade do Atlântico, ou dos recortes de seu “braço” mais confinado, o Mediterrâneo. Três delas são antigas, e foram reformadas, ampliadas ou só atualizadas para os dias correntes: no litoral paulista, tanto o projeto de Arthur Casas (pág. 86) quanto o de Felipe Carolo sobre uma construção original de Ricardo Caruana (pág. 66) preservam e reverenciam a Mata Atlântica ao redor; e, na ilha espanhola de Ibiza, a cobiça por uma residência preexistente (pág. 54) capaz de abrigar todas as condições para uma vida sustentável guia a empresária Linda Maroli. A única edificação mais nova, da família do artista mexicano Bosco Sodi, na Grécia (pág. 76), é inteira feita com materiais retirados do próprio terreno onde está, reduzindo sensivelmente sua pegada de carbono. Por essas e outras, ganhou a capa da revista.

Existe também outra manifestação de respeito pelo que vem do mar nas páginas a seguir. Ela está no trabalho do designer Elias Lanzarini, retratado no valioso perfil escrito por Camila Santos (pág. 38). Para criar móveis e objetos únicos, ele retira da costa catarinense sua matéria-prima: restos de embarcações abandonadas. E, por fim, há ainda a impressionante história das cidades brasileiras que se aventuram em mexer nas linhas que definem o desenho do litoral, investindo em iniciativas de alargamento da faixa de areia de suas praias, como recurso contra o avanço do mar sobre a terra. Como revela a reportagem de Giuliana Capello (pág. 42), trata-se de uma solução interessante por se basear no funcionamento da própria natureza, mas cujos impactos ambiental e financeiro precisam ser exaustivamente estudados antes da implementação. Ao contrário do que uma simples imagem pode levar a crer, a parte azul do mapa não tem nada de estática. Está bem viva, e em constante movimento. Boa leitura! ●

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2022-11-04T07:00:00.0000000Z

2022-11-04T07:00:00.0000000Z

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