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HÁ OITO ANOS O MARCENEIRO ELIAS LANZARINI COLETA RESTOS DE EMBARCAÇÕES CONDENADAS E OS TRANSFORMA EM PEÇAS ÚNICAS DE MOBILIÁRIO. À FRENTE DO ESTÚDIO ELAYA DESIGN, ELE CONFERE NOVOS SIGNIFICADOS À MATÉRIA-PRIMA DESCARTADA E OFERECE AO MUNDO ITENS CHEIOS DE

POR CAMILA SANTOS

Elias Lanzarini coleta restos de embarcações condenadas e os transforma em peças de mobiliário

Abusca por um recomeço, há 23 anos, levou a família de Elias Lanzarini a sair do Rio Grande do Sul e iniciar uma trajetória no estado vizinho, Santa Catarina. Conhecido por atrair visitantes que se encantam com suas praias, o novo endereço, em Balneário Camboriú, foi um dos responsáveis por intensificar a relação do profissional com o mar. Ao comprar uma canoa com o intuito de navegar pela região, Elias contatou um construtor de barcos que pudesse realizar os ajustes necessários para o uso da embarcação. Porém, havia impeditivos para o conserto e, dali, uma oportunidade surgiu: “Ele me disse que a canoa não teria condições de ser arrumada por estar apodrecida e, além disso, contou que venderia os equipamentos da sua marcenaria, já que seguiria outra carreira. Como eu estava à procura de um novo sentido profissional, adquiri o maquinário”, relembra.

À época, em 2014, Elias atuava na empresa do pai, no ramo de coleta de entulho, e passou a elaborar móveis com madeira de demolição de casas. A relação com o oceano, no entanto, voltou a se fazer presente quando um barco foi levado pelas ondas até as redondezas de onde ele vive, na Praia do Estaleiro. Após dois dias encalhado no local, o proprietário o arrastou até a terra firme para retirar motor, tanque e outras partes de metal, deixando o restante da estrutura abandonada para descarte. Ao deparar com a cena, o marceneiro indagou sobre a possibilidade de recolher as peças. “Desse naufrágio, nasceu o Elaya Design, quando vi aquelas cores, texturas, curvas e irregularidades que não via nas madeiras comuns.” Naquele momento, ele decidiu interromper a utilização da matéria-prima habitual para concentrar esforços no resgate de partes de embarcações condenadas.

Graduado em turismo, Elias Lanzarini sentiu a necessidade de se aperfeiçoar para mergulhar profundamente nas perspectivas que o design era capaz de oferecer. Optou por aprimorar seu potencial construtivo por meio de cursos e trabalhando sem remuneração na marcenaria de um amigo, em Itajaí, SC. Foi nessa mesma cidade que, em 2015, cumpriu a função de ajudante local durante a Volvo Ocean Race – maior regata internacional de vela ao redor do mundo – e conseguiu juntar recursos para uma imersão na Califórnia. “Fui para lá atrás de aprendizados e conheci a iniciativa Educational Tall Ship, na Baía de São Francisco, que estava construindo uma réplica de um navio feito no final da corrida do ouro, no século 19. Virei carpinteiro voluntário e a organização cedeu a oficina para que eu realizasse meus projetos”, conta.

Ainda em solo americano, durante pesquisa acerca do upcycling, Elias foi um dos 20 selecionados para participar da exposição intitulada Scrap – Elevating the Art of Reuse (Elevando a Arte do Reaproveitamento, em tradução livre), em 2016, em que os itens apresentados deveriam ter 90% da composição formada por elementos oriundos de reúso. “Eu fiz parte da exibição com a poltrona San Diego [primeira peça finalizada pelo profissional], desenvolvida com recursos encontrados em uma área que reúne o lixo coletado da baía. Entrei ali com um carrinho de mão e recolhi metais, cordas e madeiras de barcos para compor o móvel.”

De volta ao Brasil, o marceneiro mapeou nas margens do Rio Itajaí-Açu, que abriga o maior porto pesqueiro do país, estaleiros de reforma de embarcações, dos quais resgata peças que seriam destinadas à queima. Ainda guiado pelo propósito que o move desde o início da carreira, quando soube da inatividade da traineira Mar da Fé I (um veículo pesqueiro), em 2019, Elias decidiu, novamente, aproveitar partes que poderiam ser ressignificadas e que são usadas em suas produções até hoje. “Desde o acesso, passando pela retirada das tábuas, seleção, transporte e limpeza, todo o processo é desafiador para que eu possa construir algo sólido. Minhas obras são a terceira geração da madeira, que foi árvore, barco e, por fim, torna-se mobília.”

Apesar do foco no presente, Elias visualiza seus próximos passos explorando uma nova matéria-prima: “Tenho o objetivo de criar produtos a partir do plástico coletado durante ações executadas no Rio Itajaí-Açu, com um mix de materiais e tecnologia. E não deixo de almejar a evolução do trabalho, sempre dando atenção ao que tenho agora, para que tudo flua no tempo certo”. ●

“MINHAS OBRAS SÃO A TERCEIRA GERAÇÃO DA MADEIRA, QUE FOI ÁRVORE, BARCO E, POR FIM, TORNA-SE MOBÍLIA” ELIAS LANZARINI

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2022-11-04T07:00:00.0000000Z

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